Nesta segunda de manhã tive sérias dificuldades para
levantar da cama. Cheguei com duas horas de atraso ao trabalho, o tempo máximo
tolerável de atraso, possível de repor com horas extras nos próximos três dias.
Sempre tive dificuldade enorme para despertar no período da manhã, a luta minha
comigo mesmo parece tomar proporções apocalípticas às vezes – sem exagero. Na
minha postagem sobre sábado, por exemplo, pode-se ver que despendi preciosos
minutos ainda na cama após ser despertado, absorto pelo sério dilema de
levantar para ir treinar ou permanecer deitado no conforto (afortunadamente, e
a muito custo, acabou prevalecendo a primeira opção). É muito fácil que algum
leitor, a partir destas linhas, julgue que eu seja uma pessoa indolente,
preguiçosa, comodista e sem o menor autocontrole. Porém acrescente-se o
detalhe: se eu tomar um comprimido de Ritalina ao deitar à noite (princípio
ativo metilfenidato, medicação indicada principalmente para crianças que sofrem
de TDAH), acordo muito cedo, “pilhado” e com vontade fazer tudo; praticamente
dou um salto entusiasmado da cama para a vida. E isso após quatro horas de sono
apenas. O que acontece comigo, então? Preguiça, desânimo e falta de vontade, ou
simplesmente uma configuração particular de minha estrutura cerebral com suas
implicações na química mental e no meu comportamento?
Hora do almoço. Saindo do restaurante, lembrei-me de comprar
a corda Mi (primeira corda) para o meu violão, pois há dias notei que havia
quebrado. Pra dizer a verdade, já há várias semanas que não pego realmente no
violão para tocar qualquer coisa, nem mesmo para voltar a praticar e aprimorar
a execução das músicas que já sei. Fui à Casa Vitalle, tradicional loja de
música no centro da cidade. Trata-se de um prédio antigo bem conservado, uma
loja de artigos musicais que qualquer instrumentista de São Paulo necessariamente
conhece. Seus preços não são muito convidativos, porém como todo meu interesse
jaz num simples encordoamento para violão (paguei R$ 15, ou 7,5 USD pelas seis
cordas), não houve razões financeiras para que eu não visitasse a casa e concretizasse
minha compra.
Casa vitalle, vista da rua Quintino:
Casa Vitalle vista da rua Quintino |
Na rua Riachuelo: foto tirada quando caminhava de volta ao
trabalho retornando do almoço. No muro de um estacionamento, o grafiteiro
anônimo simbolizou a expressão abatida de um pássaro engaiolado. É a vida de
amargura e desolação de um detento sem culpa; e o semblante daqueles para quem
esta vida não reserva mais esperança. Compreendo o pássaro triste, pois em muitos momentos vivencio sentimentos parecidos com os dele.
À noite não fui para o treino, pois quis optar por outra
forma de ocupar meu tempo neste final de segunda-feira; farei as devidas
compensações indo à academia noutros dias desta semana que apenas ainda começa.
Já em casa, substituí a corda quebrada do violão pela nova, e dedilhei algumas
das músicas que havia aprendido há meses nas partituras e que agora já sabia de
cor. As notas e acordes soaram belamente aos meus ouvidos; era um som do qual
eu sentia verdadeiras saudades – saudades até maiores do que eu próprio supunha. As vezes, é preciso que reencontremos algo ou alguém, para termos real noção da dimensão da falta que aquilo nos fez.
Após alguns minutos tocando-o solitariamente, levei-o comigo para fora do
apartamento, entrei no elevador e fui dedilhando-o até a casa dos meus pais, do
outro lado da rua. É que tive a ideia de tocar um pouco para eles, ao considerar
que minha mãe é uma pessoa de alma e feições quase sempre muito tristes e angustiadas
por muitas negatividades do passado e presente (e futuro...). Sempre soube que
a música tem o poder de invocar sentimentos alegres num lar.
Ao chegar ao apartamento de meus pais, porém, notei que
ambos estavam em bom espírito, e voltei a dedilhar minhas músicas prediletas que
tinha aprendido ao violão, peças do repertório clássico do instrumento para
aprendizes iniciantes (do mexicano Antonio Cano e do italiano Carulli). Meus
pais muito se alegraram com as melodias e o belo som do violão, minha mãe me
deu um abraço. Após o jantar, tomei o instrumento de volta nas mãos e caminhei
com ele na travessia da rua para casa, sentindo-me contente em ter utilizado
meu período noturno de hoje da melhor forma que me pareceu, e de não me
arrepender nem um pouco por isso.
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